NOTÍCIAS
27 DE NOVEMBRO DE 2023
Migalhas – Um homem leigo e seus temores – Seção “Tudo é verdade e dou fé” – Por Sérgio Jacomino
Inauguramos hoje mais uma Seção da Coluna Migalhas Notariais e Registrais: “Tudo é verdade e dou fé”.
Nela o leitor terá acesso a crônicas – não necessariamente ficcionais – envolvendo o quotidiano dos serviços notariais e registrais.
O objetivo é trazer a lume como os cartórios possuem papel decisivo no quotidiano do homem comum. É também transmitir aos profissionais do Direito experiências colhidas no exercício da nobre atividade da fé pública.
O Direito é também cultura. Sabemos que essa coluna colaborará para o aperfeiçoamento do Direito.
Começamos hoje com este texto, de lavra do registrador Sérgio Jacomino.
E, como diz o título da nova Seção, “tudo é verdade e dou fé”.
__________
A intervenção em cartórios é uma operação traumática. As serventias extrajudiciais são fiscalizadas de modo permanente, visitadas por juízes em correições ordinárias ou extraordinárias. Ao final, lavra-se no Livro de Atas de Visitas e Correições elogios, advertências, suspensões, podendo chegar até mesmo à perda da delegação.
Olavo Limoeiro era um Oficial da velha-guarda. Impunha-se pelo porte físico avantajado, voz tonitruante, era dono de um linguajar que alguns consideravam vulgar e inadequado. Homem duro e corajoso, sabia enfrentar desafios, mas era também um sujeito divertido, pescador, exímio contador de piadas, tinha extraordinária presença de espírito.
Olavão adorava organizar churrascos regados a cerveja à beira da represa. O juiz da comarca, o promotor, velhos advogados do foro, todos frequentavam o seu rancho arejado e bem cuidado. Embora não tivesse completado o segundo grau, seu nome era sempre lembrado pelos juízes quando a situação de determinado cartório era crítica e reclamava a decretação de intervenção, com o afastamento do titular.
Certa feita, Olavão foi nomeado pelo Corregedor-Geral de Justiça para intervir num cartório problemático da Alta Mogiana. As denúncias eram fartas: selos e verbas sonegados, longas ausências injustificadas, atecnia na lavratura dos atos, depósitos extraviados, atrasos no registro de títulos e muitas outras irregularidades. Todas elas seriam elencadas na ata de correição que foi publicada no DOJ (Diário da Justiça) para opróbrio do serventuário e de seus pares.
Mal chegando ele à cidade, e passados poucos dias, espalhou-se a notícia de que o interventor cancelaria todos os registros feitos pelo Dr. Peralva, o Oficial titular, sob o argumento de que eram nulos de pleno direito. Dizia-se que a Corregedoria faria uma razia nas inscrições, não restaria pedra sobre pedra. A notícia era falsa e fora propagada primeiramente pelo dono de um pasquim local, Chico Cachoeira, velho jornalista e amigo de infância do Oficial, parceiro de noitadas num certo lupanário da região. E depois, como se não bastasse, a notícia se alastraria feito fogo pela rádio de um político local, aumentando ainda mais a confusão.
As pessoas acorreram ao Cartório para certificar-se de que o seu registro não seria cancelado. Alguns diziam que as escrituras não tinham sido registradas porque o “safado do Peralva” consumira os selos e emolumentos em jogos de azar e noitadas no mal afamado “Espora de Prata”.
Foram dias tumultuados, gritarias no balcão, filas na calçada, pessoas passando mal, a polícia fora chamada. O cabo Aleixo aproveitaria o ensejo para certificar-se de que o registro do seu rancho não seria “cassado”.
Eu havia sido nomeado para auxiliar na intervenção e procurava ajudar Olavão como podia, mas a desconfiança da população parecia invencível. Forasteiro na cidade, eu me perguntava – que diabos eu vim fazer neste fim de mundo?
Numa sexta-feira, um velho postou-se ameaçadoramente num canto da recepção. Ali ficou plantado, observando o movimento, o entra e sai das partes, a algaravia, fitava tudo com ar sisudo, cara fechada, o chapéu enterrado na cabeça e as mãos enfiadas nos bolsos de um desbotado paletó ocre.
A verdade é que a figura começava a provocar certo receio no pessoal. Seria um pistoleiro contratado pelos fazendeiros? Um jagunço? Pensaria que o registro do sítio que recebera de herança seria cancelado?
No final do expediente, como o sujeito ainda persistisse no local, as escreventes esconderam-se no arquivo; outros refugiaram-se no banheiro, espiando pelas frestas da porta entreaberta. Tinham medo de sair, o expediente findava, escurecia.
Olavão, peito aprumado, lançou um olhar desafiador antes de enfrentar-se com o mal-encarado desconhecido que vinha em sua direção. Ao aproximar-se do balcão lentamente, as mãos socadas no bolso, o estranho fez um gesto inesperado, parecia inclinar-se, e com voz fina e desafinada, quase ao pé do ouvido de Olavão, disse:
– Dotor, discurpa priguntá… É que sou meigo no assunto…
Olavão desatou uma risada sonora e desbragada. O velho começou a rir também, sacudia o paletó terroso e o corpo desajeitado, as mãos tapavam o sorriso desdentado, os funcionários respiraram aliviados.
Encerramos o expediente, apagamos as luzes, fechamos o cartório e Olavão foi tomar umas cervejas no boteco acompanhado do velho mal-encarado.
Pouco a pouco, a paz voltaria ao cartório. Os registros não foram cancelados, o Dr. Peralva foi aposentado e a vida da comarca retomou o seu modorrento ritmo normal.
Sobre o velho, jamais pude saber o seu nome, apenas que era um cidadão leigo nos assuntos de cartório. O referido é verdade do que dou fé.
Fonte: Migalhas
Outras Notícias
IRIRGS
08 DE NOVEMBRO DE 2023
Clipping – IRIB – Quilombolas conservam biomas e devem ser reconhecidos, diz secretário
O secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de...
Anoreg RS
08 DE NOVEMBRO DE 2023
Treinamento de notários e registradores impacta na identificação de operações suspeitas
Especialistas debateram nesta terça-feira (7/11) desafios e caminhos possíveis para que o Brasil possa unir...
Anoreg RS
08 DE NOVEMBRO DE 2023
Atuação eficiente dos cartórios impacta combate ao crime organizado, afirma corregedor nacional
Iniciativa da Corregedoria Nacional de Justiça, o evento realizado nesta terça-feira (7/11) uniu autoridades dos...
Anoreg RS
08 DE NOVEMBRO DE 2023
Audiência discute projeto que proíbe cartórios de registrarem união poliafetiva
A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados...
Anoreg RS
08 DE NOVEMBRO DE 2023
Marco das garantias promove segurança jurídica, dizem especialistas
Membros do Ibradim analisam os impactos da nova legislação no setor jurídico.