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15 DE AGOSTO DE 2023
Artigo – Bem de família legal: análise dos mais recentes posicionamentos do STJ – por Egle Cecconi
Hipóteses do reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família legal: posicionamento do STJ.
Introdução.
Este artigo tem como objetivo analisar o instituto do bem de família no direito brasileiro, destacando os mais recentes posicionamentos proferidos pela Jurisprudência, especialmente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. O bem de família, que visa garantir a proteção do patrimônio familiar em situações de crise, tem sido objeto de debates jurídicos e revisões interpretativas nos últimos anos. Neste contexto, se examinará os pontos mais relevantes que refletem as mudanças e tendências atuais relacionadas ao bem de família de acordo com o entendimento da jurisprudência.
O instituto do bem de família é fundamental para a proteção do patrimônio familiar diante das adversidades econômicas e sociais. No Brasil, sua regulamentação foi aprimorada ao longo dos anos, refletindo a necessidade de adaptar-se às dinâmicas sociais em constante evolução. O Superior Tribunal de Justiça exerce papel crucial na definição e interpretação desse instituto sob o ângulo da lei 8.009/90, moldando seu alcance e limites, já que a proteção ao bem de família está ligada intimamente à preservação de direitos individuais mínimos de uma vida digna, com base na asseguração do imóvel residencial contra a alienação forçada para a liquidação de débitos.
Bem de família: conceito e função social.
O bem de família nas lições de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho é “o bem jurídico cuja titularidade se protege em benefício do devedor – por si ou como integrante de um núcleo existencial -, visando à preservação do mínimo patrimonial para uma vida digna”.[1]
Deste modo, é possível observar que a proteção visa o direito à moradia e com isso se protege a própria família.
Neste contexto do bem de família, uma das questões primordiais é a sua função social. Os tribunais têm reforçado essa ideia de que o bem de família deve ser interpretado à luz da função social da propriedade, conciliando a proteção patrimonial com os interesses coletivos, já que a propriedade deve atender aos interesses sociais. Esse entendimento tem levado a decisões que consideram a possibilidade de penhora de imóveis destinados à moradia quando não há prejuízo ao sustento da família.
Espécies de bem de família.
O bem de família pode ser instituído pelos cônjuges, pela entidade familiar ou por terceiros, e, ou decorrer da lei.
No primeiro caso, tem-se o bem de família instituído, regido pelo Código Civil (arts. 1.711 a 1.722). Nesta espécie, os cônjuges, a entidade familiar, ou terceiros, podem destinar, por meio de testamento ou escritura pública, até 1/3 (um terço) do seu patrimônio para instituir o bem de família (art. 1.711 do CC). E, após a instituição esse patrimônio ficará resguardado de execuções e penhoras decorrentes de dívidas. Dívidas anteriores não são atingidas pela proteção.
Saliente-se que obrigatoriamente a instituição deverá recair sobre um imóvel residencial (art. 1.712 do CC), além dos valores mobiliários (art. 1.713 do CC).
O bem de família instituído tem a vantagem de se destinar além do imóvel residencial que protege a moradia da família, valores mobiliários, cuja renda será revertida na conservação do imóvel s sustento da família.
Por sua vez, a segunda espécie de bem de família é o legal. A lei 8.009/90, no art. 1º, protege o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, e, no art. 4º, § 2º, protege o imóvel residencial rural, colocando-os como impenhoráveis, para, em regra, não responderem por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, desde que contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.
Requisitos para oposição da impenhorabilidade do bem de família legal.
Para que a impenhorabilidade do imóvel residencial da família possa ser oposta em processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, alguns requisitos devem ser preenchidos:
- Unidade familiar residencial. Não precisa ser o único bem, pois se houver outros bens, a penhora poderá recair sobre eles.
Se o devedor possuir vários imóveis residenciais a penhora recairá sobre o de menor valor (art. 5º, parágrafo único da Lei nº 8.009/90).
Pessoa que more sozinha (viúva, divorciada ou solteira) pode se beneficiar da proteção legal conforme Súmula 364 do STJ.
Os filhos, após o falecimento dos pais também podem opor a impenhorabilidade do bem de família.
- Nele residam. O legislador exige que o devedor ou sua família residam no imóvel (art.1º da Lei nº 8.009/90).
Porém, apesar da exigência legal, a Súmula 486 do Superior Tribunal de Justiça adotou entendimento de que “é impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”. Deste modo, fica claro que a proteção visa a subsistência e moradia da família.
Em relação à vaga de garagem com matrícula própria no registro imobiliário, de acordo com a Súmula 449 do Superior Tribunal de Justiça, esta não é caracterizada como bem de família para se beneficiar da impenhorabilidade.
O único imóvel do devedor destinado à moradia de algum membro da entidade familiar que não possua residência, por exemplo, no caso dos ascendentes ou descendentes, goza da impenhorabilidade, já que o art. 5º, caput da Lei nº 8.009/90, permite a utilização do imóvel pela entidade familiar.
- Pequena propriedade rural (art. 4º, §2ª da Lei nº 8.009/90). Neste caso a exigência legal é de que seja um único imóvel de moradia.
Para se beneficiar da impenhorabilidade o imóvel deve ter a medida de até 04 (quatro) módulos fiscais e ser fonte de subsistência da família, nos exatos termos do art. 5º, XXVI da Constituição Federal. Aliás, a propriedade deve ser trabalhada pela família, mas não há a exigência de que a família resida no imóvel.
Neste sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que
“O imóvel que se enquadra como pequena propriedade rural, indispensável à sobrevivência do agricultor e de sua família, é impenhorável, consoante disposto no parágrafo 2º do artigo 4º da Lei n. 8.009/1990, norma cogente e de ordem pública que tem por escopo a proteção do bem de família, calcado no direito fundamental à moradia” (EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 222.936/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 26/02/2014).
Além disso, até mesmo quando o devedor oferece a pequena propriedade rural em garantia hipotecária, está assentado o entendimento de que a regra da impenhorabilidade deve ser mantida, não caracterizando abuso de direito por ser matéria de ordem pública, não suscetível de renúncia.
Outrossim, o Supremo Tribunal Federal ao analisar a “impenhorabilidade de propriedade familiar, localizada na zona rural, que não é o único bem imóvel dessa natureza pertencente à família”, admitiu o tema 961 de repercussão geral, assentando o entendimento de que:
“Pequena propriedade rural. Bem de família. Impenhorabilidade. Art. 5º, XXVI, da Constituição Federal. 1. As regras de impenhorabilidade do bem de família, assim como da propriedade rural, amparam-se no princípio da dignidade humana e visam garantir a preservação de um patrimônio jurídico mínimo. 2. A pequena propriedade rural consubstancia-se no imóvel com área entre 01 (um) e 04 (quatro) módulos fiscais, ainda que constituída de mais de 01 (um) imóvel, e que não pode ser objeto de penhora. 3. A garantia da impenhorabilidade é indisponível, assegurada como direito fundamental do grupo familiar, e não cede ante gravação do bem com hipoteca. 4. Recurso extraordinário não provido, com fixação da seguinte tese: “É impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 01 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização” ((ARE 1038507, Relator(a): Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 21/12/2020, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito – DJe-049 – Divulg 12-03-2021 – Public 15-03-2021).
Seguindo o entendimento assentado pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça também fixou entendimento no mesmo sentido:
“A pequena propriedade rural é impenhorável, ainda que tenha sido ofertada em garantia, visto que é protegida por norma de ordem pública, inarredável por vontade das partes. 3. Ainda que os precedentes mencionados não aludam expressamente ao comportamento contraditório e ao princípio da boa-fé, são imperativos quanto à impenhorabilidade da pequena propriedade rural mesmo que o imóvel seja oferecido em garantia pelo proprietário, porquanto se trata de norma de ordem pública, insuscetível de renúncia pelas partes” (AgInt no AREsp n. 2.182.241/RS, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 12/12/2022, DJe de 14/12/2022.); “Consoante jurisprudência pacificada nesta Corte Superior, a pequena propriedade rural trabalhada pela família, mesmo que oferecida em garantia hipotecária, é alcançada pela impenhorabilidade. Precedentes” (AgInt no AREsp n. 2.260.265/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 24/5/2023).
Por sua vez, no caso de pequena propriedade rural em que não há exploração familiar da terra, mas apenas o uso para lazer, como as chácaras, a impenhorabilidade é afastada, devendo o juízo analisar se a sede da moradia se constitui ou não como bem de família, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em decisão de relatoria do saudoso Ministro Paulo de Tarso Sanseverino:
“(…) nos termos do art. 4º, § 2º, da Lei 8.009/1990: “Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural”. (sem grifos no original) 3. No caso dos autos, tendo sido afastada a impenhorabilidade da área definida como pequena propriedade, cumpria ao Tribunal de origem apreciar a questão da impenhorabilidade da sede de moradia como bem de família. (…)” (REsp n. 1.716.425/RS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 8/10/2019, DJe de 19/11/2019).
Importante não confundir a pequena propriedade rural que constitui bem de família, com proteção especial para a sede de moradia, portanto, impenhorável, com a impenhorabilidade da pequena propriedade rural prevista no art. 833, VIII do Código de Processo Civil.
Acrescente-se que para reconhecer a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, nos termos do art. 833, VIII, do Código de Processo Civil, é imperiosa a satisfação de dois requisitos, a saber: que o imóvel se qualifique como pequena propriedade rural, nos termos da lei; e que seja explorado pela família. Então, se os devedores residentes no imóvel não são agricultores e tampouco extraem seu sustento e de sua família da exploração da terra, mas sim de renda própria, o imóvel não estará protegido pela impenhorabilidade. E, ao tratar do assunto a Ministra Nancy Andrighi ponderou que:
“Na vigência do CPC/73, esta Terceira Turma já se orientava no sentido de que, para o reconhecimento da impenhorabilidade, o devedor tinha o ônus de comprovar que além de pequena, a propriedade destinava-se à exploração familiar (REsp 492.934/PR; REsp 177.641/RS). Ademais, como regra geral, a parte que alega tem o ônus de demonstrar a veracidade desse fato (art. 373 do CPC/2015) e, sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é certo que é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado. Demais disso, art. 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual, repise-se, consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua família. (…) Ser proprietário de um único imóvel rural não é pressuposto para o reconhecimento da impenhorabilidade com base na previsão do art. 833, VIII, do CPC/2015. A imposição dessa condição, enquanto não prevista em lei, é incompatível com o viés protetivo que norteia o art. 5º, XXVI, da CF/88 e art. 833, VIII, do CPC/2015” (STJ; REsp n. 1.843.846/MG, Terceira Turma, julgado em 2/2/2021, DJe de 5/2/2021).
Possibilidade de desmembramento do bem de família.
Saliente-se que no caso de bem imóvel de grande extensão, especialmente imóvel rural que não é trabalhado pela família, em se tratando de bem imóvel divisível, é possível a penhora da parte do bem não utilizada como moradia da família.
Além do mais, a impenhorabilidade da lei 8.009/90 não abrange toda a extensa área do imóvel quando é possível o desmembramento sem prejuízo daquela exclusivamente residencial.
Quando não se trata só de imóvel residencial, mas de uma verdadeira gleba de terras, não se pode permitir que alguém fique sem pagar suas dívidas, mantendo imóvel com área de grandes proporções e alto valor, a comportar divisão cômoda, a prejudicar o direito do credor.
Assim, preservada a área destinada à moradia do devedor, com metragem mínima exigida em lei, possível a constrição sobre os direitos ao remanescente do imóvel, sujeito a desmembramento tabulário.
A esse propósito, vale mencionar o entendimento sedimentado pela Jurisprudência Nacional, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, como se observa do aresto colacionado a seguir:
“Processual civil. Agravo interno no recurso especial. Execução fiscal. Bem de família. Desmembramento de bem imóvel para fins de penhora. Possibilidade de preservação da parte residencial. 1. Não há violação do art. 535 do CPC/1973 quando o tribunal de origem se manifesta de forma clara, coerente e fundamentada sobre as teses relevantes à solução do litígio. 2. Esta corte superior tem entendimento firmado de ser adequada a penhora de parte do bem imóvel não utilizada para fins residenciais, ainda que, no registro imobiliário, haja somente uma matrícula, quando o desmembramento não prejudicar a garantia de moradia da família. 3. Constatada a possibilidade de desmembramento do imóvel pelas instâncias ordinárias, o recurso especial não serve ao propósito de revisão dessa constatação, porquanto seria necessário o reexame de fatos e provas para concluir em sentido contrário. 4. hipótese em que o recurso especial encontra óbice nas súmulas 7 e 83 do STJ, visto que a situação fático-probatória delineada no acórdão a quo revelou a possibilidade de desmembramento do bem imóvel em partes distintas. 5. Agravo interno desprovido”. (STJ – acórdão AGINT no RESP 1456845/PR, Relator: Min. Gurgel de Faria, Data de julgamento: 13/09/2016, Data de publicação: 19/10/2016, 1ª Turma).
Alto valor do bem de família.
Em realidade, importa ressaltar que a garantia de impenhorabilidade decorrente da Lei nº 8.009/90, tem por escopo assegurar a dignidade do devedor e de sua família.
Assim, o imóvel utilizado como moradia é protegido da expropriação, como regra, para pagamento de dívidas, sempre com a finalidade de se garantir a moradia digna para o núcleo familiar. Essa é a ratio legis. Não a invulnerabilidade pura e simples do patrimônio da pessoa. Assim, não se pode permitir que a proteção com foco na dignidade da pessoa humana seja desvirtuada de modo a assegurar que imóveis de elevado valor permaneçam intocados, em detrimento do credor.
Nessa esteira, é a dignidade da pessoa humana que deve ser preservada, não a intocabilidade de toda e qualquer moradia, valha o quanto valer. Portanto, caso o valor do bem de família seja elevado, a sua alienação certamente propiciará reserva de valor mais do que suficiente para aquisição de moradias aptas a garantir padrão de conforto equivalente àqueles que os devedores dispõem no imóvel penhorado, mas certamente, um pouco mais modesto.
Todavia, apesar dos argumentos esboçados, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que o alto valor do bem imóvel não interfere na impenhorabilidade, A jurisprudência do STJ assegura a prevalência da proteção legal ao bem de família mesmo para os imóveis de luxo e valor suntuoso. Assim, de forma reiterada e inequívoca, pontua que o benefício conferido pela lei 8.009/90 não estabelece qualquer restrição à garantia do imóvel como bem de família no que toca a seu valor, nem prevê regimes jurídicos diversos em relação à impenhorabilidade, descabendo ao intérprete fazer distinção onde a lei não o fez, e sua incidência somente será afastada se caracterizada alguma hipótese descrita no art. 3º da lei 8.009/90.
“Agravo interno no agravo em recurso especial. Impenhorabilidade de imóvel. Bem de família. Súmula 7/STJ. Imóvel de alto valor. Proteção contra a penhora. Possibilidade de o devedor residir em local diverso. Entendimentos em harmonia com a jurisprudência desta corte. (…) 2. O simples fato de o imóvel ser de luxo ou de elevado valor, por si só, não afasta a proteção prevista na Lei n. 8.009/1990. Precedentes. 3. Consoante o STJ, “não pode ser objeto de penhora o único bem imóvel do devedor que não é destinado à sua residência ou mesmo à locação em face de circunstância alheia à sua vontade, tais como a impossibilidade de moradia em razão de falta de serviço estatal” (REsp 825.660/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 01/12/2009, DJe 14/12/2009). 4. É sabido que “a alegação de teses que não constaram das razões do recurso especial constitui-se em inovação recursal, o que não é permitido em sede de agravo interno” (AgInt no AREsp 1.217.869/GO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2018, DJe 27/04/2018). 5. Agravo interno desprovido” (AgInt no AREsp n. 1.199.556/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 5/6/2018, DJe de 14/6/2018).
Em contraposição ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Estaduais têm encontrado solução diversa para esse problema, entendendo que o imóvel de alto valor, ainda que reconhecido como bem de família, pode ser penhorado e alienado, desde que com a garantia de reserva, ao devedor ou ao terceiro meeiro, de parte suficiente do valor alcançado, para que possa adquirir outro imóvel que propicie à família moradia talvez não tão luxuosa, mas tão digna quando a proporcionada pelo bem constrito.
A esse propósito, vale mencionar o posicionamento do Admirável Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a possibilidade de penhora de bem de família quando se tratar de bem de valor elevado, como demonstra o escólio a seguir:
“Agravo de instrumento. Bem de família. Imóvel de valor vultoso. Penhora. Possibilidade excepcional. Reserva de parte do valor ao devedor. Necessidade. Valor que deve ser gravado com cláusula de impenhorabilidade. Preservação do patrimônio mínimo e da dignidade humana do devedor. 1.- A interpretação sistemática e teológica do art. 1º da Lei nº. 8.009/90, mediante ponderação dos princípios constitucionais que informam a impenhorabilidade do bem de família e garantem o direito de ação com duração razoável do processo, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, permite a penhora de imóvel de valor vultoso (R$ 24.000.000,00), ainda que destinado à moradia do devedor. 2.- A penhora de bem de família de valor vultoso, no entanto, exige que se reserve ao devedor valor condizente com sua situação social, visando a possibilitar-lhe a aquisição de outro imóvel para morar com dignidade. 3.- A reserva de parte do produto da alienação do imóvel penhorado deve ser gravada com cláusula de impenhorabilidade, visando a dar cumprimento ao disposto no art. 1º. da Lei nº. 8.009/90, conforme sua interpretação conforme à Constituição Federal. 4.- Decisão reformada. Agravo parcialmente provido”. (TJSP; Agravo de Instrumento 2075933-13.2021.8.26.0000; Relator (a): Ademir Modesto de Souza; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/06/2021; Data de Registro: 05/07/2021).
____________
[1] Novo curso de direito civil: direito de família – As famílias em perspectiva constitucional, Sâo Paulo: saraiva, 2011, p. 389.
Egle Cecconi é advogada e professora mestre em Direito Civil. Sócia-proprietária do escritório ECBRP Advocacia. Membro das Comissões Permanente de Direito do Consumidor e Advocacia da Família e Sucessões da OABSP
Fonte: Migalhas
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