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03 DE AGOSTO DE 2023
Artigo: A proteção internacional ao direito à moradia – Por Robson Martins e Érika Silvana Saquetti Martins
O lar para o ser humano é algo indispensável para a concretização da dignidade de qualquer pessoa, à sua liberdade e à sua autodeterminação.
A moradia não é somente uma preocupação do constituinte originário de 1988, como também é um direito reconhecido pelo direito internacional dos direitos humanos, notadamente pelo sistema universal e por uma infinidade de tratados e convenções específicas, visando o bem comum da humanidade.
A Organização das Nações Unidas – ONU, por intermédio de seus diversos órgãos, tratou de efetuar estudos, fixar estatísticas e determinar objetivos aos seus Estados-membros naquilo que se relaciona à concretização do direito humano à moradia.
A relevância do direito à moradia há muito foi percebida pelos organismos internacionais máximos, que, por sua vez, trataram de elevá-lo à condição de direito humano, desde os primórdios do sistema universal, protegendo-o de maneira específica.
O art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 afirma que todas as pessoas têm direito ao repouso e ao lazer, a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à família saúde e bem estar, incluindo, dentre suas prerrogativas, a habitação.1
Ocorre que a temática se encontra em uma grande gama de instrumentos internacionais relacionados aos direitos humanos, tanto em convenções quanto em tratados e resoluções dos organismos comunitários, fazendo surgir conceitos específicos.
O tema “moradia” foi tratado por ocasião da Conferência das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, de 1976, no Canadá, da qual surgiu The Vancouver Declaration on Human Settlements (Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos), também de 1976.2
No referido instrumento, determinou-se a necessidade de os países adotarem políticas específicas de assentamento humano e de planejamento espacial que sejam corajosas, significativas, efetivas políticas e realisticamente adaptadas às condições locais.3
A moradia adequada é um dos direitos básicos da pessoa humana, assim como, e que o atingimento dos objetivos da referida Declaração demanda que seja dada prioridade às pessoas que se encontrem em situação de maior desvantagem.4
A percepção das Nações Unidas acerca da relevância do direito à moradia fez com que, há décadas, o tema fosse tratado por diversos estudos específicos, dirigidos, inclusive, a firmar objetivos para os países que compõem o referido organismo internacional.
A Resolução nº 4 de 1991 da Organização das Nações Unidas afirma que o direito à moradia adequada engloba a questão da habitação e uma condição de vida digna, que tem relação direta com a efetivação de vários outros direitos humanos, que termina, de tal forma, por compô-lo.5
Por intermédio do Comentário Geral n. 4, do Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Organização das Nações Unidas tratou de especificar o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em relação ao direito à moradia.
Nesse sentido, as Nações Unidas, em 1991, estimaram que havia mais de cem milhões (100.000.000) de pessoas sem moradia e mais de um bilhão (1.000.000) com habitação inadequada no mundo, não existindo, entretanto, qualquer indicação de que este número decrescia.6
Desse modo, nenhum Estado-parte se encontra livre de problemas significantes de algum tipo em relação ao direito à habitação adequada, que, entretanto, aplica-se a “si próprio e sua família”, refletindo a crença quanto aos papéis desempenhados pelas atividades econômicas comumente aceitas em 1966.7
Ocorre que, hoje, a referida expressão não pode ser entendida com qualquer limitação acerca da aplicabilidade do direito aos indivíduos ou domicílios chefiados por mulheres ou outros grupos, de maneira que a concepção de “família” deve ser entendida em sentido amplo.8
Os indivíduos e suas famílias têm reconhecido de seu direito à habitação adequada, independentemente de idade, condição econômica, grupo ou outra pertinência a grupo ou quaisquer outros fatores como tais que, de acordo com o artigo 2(2) da Convenção9 não pode ser sujeito a qualquer forma de discriminação.10
Em acordo com o que entende o Comitê, o direito à habitação não deve ser interpretado em sentido estreito ou restrito “[…] que o equipara com, por exemplo, o abrigo provido meramente de um teto sobre a cabeça dos indivíduos ou julga o abrigo exclusivamente como uma mercadoria”.11
O direito à moradia deve ser equiparado a um direito a viver, “[…] onde quer que seja, com segurança, paz e dignidade”, porque o direito à habitação é integralmente vinculado a outros direitos humanos e princípios fundamentais sobre os quais a Convenção é baseada.12
Relaciona-se à “inerente dignidade da pessoa humana”, da qual os direitos da Convenção deveriam resultar, exigindo-se que o termo “habitação” seja interpretado para levar em conta uma variedade de outras considerações, especialmente que o direito à habitação deve ser assegurado a todos, independentemente da renda.13
Além disso, a referência no artigo 11(1)14 deve ser lida, referindo-se à habitação adequada, que, de acordo com a Comissão sobre Assentamentos Humanos e a Estratégia Global para Habitação para o ano 2000 demanda privacidade, espaço, segurança, iluminação, ventilação e infraestrutura básica adequadas.15
A Organização das Nações Unidas formulou definições relacionados tanto ao direito humano à moradia, como, também, à sua adequação, determinando, portanto, que o conceito de habitação não se restringe a um lugar no qual a pessoa se protege do clima.
Tanto a Declaração de Istambul sobre Assentamentos Humanos16, de 1993, quanto a Agenda Habitat17, de 2004, estabelecem requisitos básicos para a moradia adequada, especialmente: a segurança jurídica da posse, independentemente de natureza e origem; e a necessidade de que as despesas de manutenção não comprometam a satisfação de outras necessidades.
A Organização das Nações Unidas determinou objetivos aos Estados-membros para a concretização do direito à moradia, inclusive, determinado, inclusive, prazos máximos para o seu atingimento, ressaltando, portanto, sua importância para a dignidade da pessoa humana.
Já o item 11 da Agenda 2030 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, quanto às cidades e comunidades sustentáveis, tem como objetivo torna-las mais inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis”. O item 11.b tinha por objetivo, até 2020, aumentar o número de cidades e assentamentos humanos.18
Os itens 11.1 e 11.3 fixam como objetivos, até 2030, garantir acesso universal à habitação segura, adequada e a preço acessível, e a serviços básicos, urbanizar as favelas e aumentar a urbanização inclusiva e sustentável e as capacidades para o planejamento e gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis, em todos os países.19
Demonstra, de tal maneira que a moradia é algo mais importante do que um simples local voltado à salvaguarda de alguém contra os elementos. A moradia simples, porém, digna, é pressuposto fático do exercício de outros direitos fundamentais.20
Dessa forma, o lar para o ser humano é algo indispensável para a concretização da dignidade de qualquer pessoa, à sua liberdade e à sua autodeterminação. Trata-se de seu “lugar no mundo” e em sua comunidade, situação que ainda mais evidente no contexto dos centros urbanos.21
Em conformidade com aquilo que determina a Organização das Nações Unidas, de maneira vinculante em relação aos países signatários das respectivas convenções, a necessidade de concretização do direito à moradia de maneira adequada a determinados requisitos mínimos.
__________
1 ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 194, n.p.
2 ONU – Organização das Nações Unidas. Conferência das Nações Unidas para Assentamentos Humanos. The Vancouver Declaration on Human Settlements. 1976, n.p..
3 Ibid., n.p.
4 Ibid., n.p.
5 MORAES, Lúcia; DAYRELL, Marcelo. Direito humano à moradia e terra urbana. São Paulo: DhESCA Brasil, 2008. p. 12.
6 ONU. Organização das Nações Unidas. Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral n. 4. 1992, n.p.
7 Ibid., n.p.
8 Ibid., n.p.
9 “2. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação” (BRASIL. Decreto 591. 1992, n.p.).
10 ONU. Organização das Nações Unidas. Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Op. Cit., n.p.
11 Ibid., n.p.
12 Ibid., n.p.
13 Ibid., n.p.
14 “1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento” (BRASIL. Decreto 591. 1992, n.p.).
15 ONU. Organização das Nações Unidas. Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Op. Cit., n.p.
16 ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração de Istambul sobre Assentamentos Humanos. 1993, n.p.
17 Ibid., n.p.
18 OLIVEIRA, Bruno Bastos de; ALBUQUERQUE FILHO, Edme Tavares de; MARTINS, Érika Silvana Saquetti; SACRAMENTO, Luciano; CALIL, Mário Lúcio Garcez; ROSSIGNOLI, Marisa; MARTINS, Robson; CACHICHI, Rogério Cangussu Dantas. Regulação, ferrovias e direito à moradia: eficiência e justiça social. Curitiba: Instituto Memória, 2021, p. 63.
19 Ibid.., p. 63-64.
20 Ibid., p. 64-65.
21 OLIVEIRA, Bruno Bastos de. et al. Op. cit.,, p. 65.
Fonte: Migalhas
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